Rádio Restinga: Uma Terapia Radiofônica?

Músicos!
Pobres! Venham todos! Aqui todo mundo pode dizer o que pensa! Hei
você que passa pela rua, venha aqui, coloque para fora todo o
seu ódio ou prazer, tudo que você tem para dizer, pegue
o microfone e fale o que você quiser!”…
Assim começa
a nossa guerra, o nosso combate ferrenho contra as grandes empresas
de mídia e as injustiças sociais, somos todos heróis,
seríamos portanto Dons Quixotes?

As
portas foram abertas e todas as pessoas da comunidade foram chegando,
partidos políticos, movimentos sociais, indivíduos
independentes ou amarrados a algo – uma mistura que daria um caldo
bom: a direita com a esquerda, o canhoto com o destro… tinha de
tudo! E esse era o grande sonho, todos podiam falar de igual para
igual, afinal de contas esse é o propósito de uma rádio
comunitária, ainda mais aqui na Restinga, onde somos milhares
de ilhados, bairro dormitório, onde todos chegam cansados em
casa e vêem na novela das oito o sonho perfeito: a Senhora do
Destino como o grande paradigma, não por ser mulher, mas por
ter vencido a pobreza extrema obtendo uma vida luxuosa em um passe de
mágicas.

Voltando
a idéia da Rádio, houve pessoas que diziam serem
capazes de lhe dar com a diversidade, colocando para si a tarefa de
integrar as pessoas – como se isso fosse uma missão fácil…
e a rádio se tornou um reflexo da Restinga. Problemas pessoais
se tornaram problemas da rádio, velhos inimigos de movimento
popular estavam ali, juntos em um mesmo espaço, como um saco
de gatos. No final parecia que a missão da rádio era a
reconciliação, não que não seja uma
proposta interessante. Por isso, recebemos os nossos velhos
“inimigos”, e de mãos dadas celebramos um verdadeiro
tratado de paz.

No fundo
essa era a vocação da nossa rádio, reuniões
que pareciam dinâmicas de grupo, um verdadeiro grupo de
auto-ajuda. Mas não parava por aqui, também existia um
outro tratamento, talvez o principal da rádio a
“Microfone-terapia”. Era um espaço interessante onde a
auto-estima do doente era levantada em alguns programas, um espaço
de auto-afirmação – seria a nossa rádio um
grande hospital de caridade? Tomara que não.

Quando
se vai para o microfone falar de problemas pessoais, se espera do
ouvinte o tratamento, então comunicamos problemas e esperamos
diagnósticos para as nossas “doenças”, assim
funciona a “microfone-terapia”. Se o ouvinte ligar para a rádio
ficamos felizes, conseguimos ser ouvidos por alguém, e se o
ouvinte falar que o programa está muito bom, recebemos o
remédio que queríamos.

Mais de
cinco anos e os doentes continuam doentes, acho que o tratamento
radiofônico não deu certo, então eles que
procurem médicos! Desde de sempre, a função de
uma rádio comunitária é articular os movimentos
sociais, é instigar no ouvinte uma certa reflexão sobre
a mídia, é bater de frente com as injustiças e
com as grandes empresas de comunicação. As ações
externas da rádio, como por exemplo, as rádios postes e
as oficinas nas escolas são um exemplo de como democratizar o
microfone e iniciar um diálogo de igual para igual com a
comunidade, é preciso de agora em diante ver a rádio
como um espaço de luta e não um espaço de
auto-ajuda, de terapias.



Texto
escrito em junho de 2004

Por Ação
Periférica na Comunicação

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One Response to Rádio Restinga: Uma Terapia Radiofônica?

  1. Dinho k2 says:

    Muito bom o texto, que a sociedade pare e escute esses milhôes de brasileiros que esperam uma mudança em suas vidas.
    Eles têm que ouvir a rádio e usar o microfone só assim serão ouvidos pela elite que está pouco se lixando para nós.
    Mas, temos a força, o microfone e pessoas dispostas a quebrar tudo pelo povo.
    Abraço

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