Plantando ilegalidade

Foto: Incaper/ESAldem Bourscheit

06.12.2007

Um parecer do Ministério Público Federal (MPF), obtido com exclusividade por O Eco, coloca em xeque a credibilidade e a competência dos órgãos de meio ambiente do Rio Grande do Sul no licenciamento da silvicultura. Recheado de termos como “ilegalidade”, “descontrole” e “inconstitucionalidade”, o texto revela que a Fundação Estadual de Meio Ambiente (Fepam) vem emitindo “autorizações” e licenças “fragmentadas” para driblar o licenciamento das lavouras de eucaliptos. O Pampa pode ser o maior prejudicado, uma vez que o bioma carece de pesquisas sobre impactos da silvicultura (foto).

“Percebe-se o quão esvaziado resta o ‘controle’ ambiental a que atualmente submetida pela Fepam a silvicultura no Estado do Rio Grande do Sul”, escreve o MPF. O documento revela a emissão de, pelo menos, 84 permissões para plantio de 20.253 hectares (ha) de eucaliptos da Aracruz, 21 para cultivo em 2.611 ha da Votorantim e 20 para plantio em 9.795 ha da Derflin. Esta última foi criada pela sueco-finlandesa Stora-Enso para desviar da lei que barra o uso de faixas de fronteira por estrangeiros.

Os dados revelam eucaliptais em 32.659 ha sem Estudos de Impacto Ambiental autorizados pela Fepam, conforme o MPF. Tratando-se de licenças Prévias e de Operação, os números do MPF são de 60 concedidas à Aracruz (8.566 ha), 60 à Votorantim (8.891 ha) e 15 à Derflin (4.671 ha). A área de plantio é de 22.128 ha.

O somatório de autorizações e licenças é de 54.787 ha. Segundo fontes ouvidas por O Eco, os licenciamentos e autorizações não teriam mapas com localização precisa dos cultivos e nem dados exatos sobre manutenção de parcelas florestais exigidas em lei. “Não somos contrários à silvicultura, mas sim contra o modo como ela vem sendo implantada no estado”, diz o ambientalista e professor de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Paulo Brack.

De acordo com o MPF, a enxurrada de lavouras ganhou terreno com a saída da bióloga Vera Callegaro (Sema/RS) e de Irineu Schneider (Fepam/RS), em maio – a maioria em áreas com menos de mil hectares e sem estudo de impacto ambiental. “Vem a Fundação estadual ré pulverizando a base florestal de um mesmo empreendedor em dezenas de licenças concedidas para imóveis isoladamente somados, (…) empreendimentos que apenas revelam a totalidade de seus impactos se vistos em seu conjunto e no conjunto com os demais que com eles compartilham um mesmo território”, escreve o MPF.

O milagre da multiplicação das licenças é baseado em portarias da Fepam que flexibilizaram o licenciamento da silvicultura. Os instrumentos são considerados insuficientes pelo MPF, que recomenda ao órgão seguir o que manda a legislação. “(…) garantia fundamental (…) é o procedimento legal complexo de licenciamento ambiental, sua substituição por um expedito e precário procedimento de autorização somente é admissível em casos excepcionalíssimos. Não se constitui caso excepcionalíssimo nem se admite a título precário a constituição, em milhares de hectares, de bases florestais destinadas a abastecer futuras indústrias de celulose”, diz o MPF.

Demonstração de agilidade ímpar, a Licença de Operação 3713/2005-DL foi expedida pela Fepam à Votorantim antes de qualquer estudo de impacto. O ato foi considerado nulo, ilegal e inconstitucional pelo MPF. Na página da Fepam há uma área especial para licenciamento da silvicultura – Sistemas Especialistas de Licenciamento – cujo acesso é liberado apenas a “responsáveis técnicos”.

A situação no estado seria agravada pela atuação de funcionários privados “auxiliando” nas permissões para a silvicultura, como da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater). Ela presta serviços ao governo gaúcho. Um convênio com a Secretaria da Agricultura abastece sua folha de pagamento. “A situação do licenciamento é muito complicada. Funcionários de outros órgãos estão participando”, diz Regina Abrahão, diretora do Sindicato dos Empregados em Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas e de Fundações do RS.

O MPF taxa a situação no Rio Grande do Sul como de “ilegalidade e descontrole ambiental resultante dos procedimentos de autorização e licenciamento ambiental para a silvicultura levados a efeito pela ré Fepam”.

A Justiça é cega

Por seu conteúdo, o documento do MPF/RS tem sido pivô de intensa movimentação jurídica. Elaborado a partir de uma ação civil movida por seis ONGs, levou a juíza federal Clarides Rahmeier a repassar ao Ibama o licenciamento da silvicultura, no dia nove de novembro, determinando atuação supletiva para a Fepam. No entanto, no dia 28 do mesmo mês, a desembargadora federal Silvia Goraieb cassou a liminar e devolveu à Fepam o poder de emitir licenças para silvicultura. O fato foi comemorado em sua página na internet.

O imbróglio só deve acabar após novas rodadas judiciais. Enquanto isso, os plantios seguem e os ambientalistas prometem novas ações. Eles querem que o licenciamento siga o Zoneamento Ambiental já pronto, mas desrespeitado pela Fepam. O texto tramita no Conselho Estadual do Meio Ambiente, presidido pelo secretário estadual Carlos Otaviano de Morais. “O zoneamento foi considerado restritivo pelas empresas de silvicultura. Houve pressão política e econômica para descartá-lo”, diz Vicente Medaglia, do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá).

As ONGs devem protocolar em breve novo recurso contra a Fepam. Devem citar, inclusive, que o Pampa é um bioma transfronteiriço, o que obrigaria ao menos uma supervisão federal sobre o licenciamento da silvicultura. A Resolução 237/1997 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) afirma, em seu Artigo 4º, que compete “ao Ibama (…) o licenciamento ambiental (…) de empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional, (…) cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais do País ou de um ou mais Estados”. “Infelizmente, a Justiça é o último recurso”, reclama Brack, da UFRGS.

No meio da cortina de fumaça, o governo gaúcho trabalha para consolidar os plantios de eucaliptos. Se antes as permissões eram na maioria para pequenos plantios, agora as empresas solicitam licenças para cultivos que batem nos 100 mil hectares. O Diário Oficial do Estado de 6 de novembro traz quatro pedidos de Licenças Prévias da Aracruz somando 100 mil hectares. As plantações têm como alvo dezenas de municípios nas bacias hidrográficas dos rios Camaquã, Baixo Jacuí, Santa Maria e Vacacaí-Vacacaí-Mirim. Votorantim e Derflin (Stora-Enso) têm pedidos semelhantes.

Para consolidá-los, o governo gaúcho realiza este mês audiências públicas. Elas acontecerão entre os dias 12 e 20, em Alegrete, São Gabriel, Pelotas, Camaquã e Butiá. Segundo o governo, as reuniões servirão para análise dos Estudos de Impacto Ambiental feitos pela Aracruz, Derflin e Votorantim. Para quem quiser conhecê-los, basta ir à Biblioteca da Fepam, em Porto Alegre. O estudo da Stora-Enso, por exemplo, tem 2.370 páginas. “As audiências públicas servirão para legitimar processos já em curso. Serão lotadas com pessoas mobilizadas pelo empresariado. Será quase uma boiada defendendo o imediato. O estado está de costas para a sustentabilidade”, diz Brack, da UFRGS.

O MPF parece concordar com a opinião do ambientalista, reconhecendo que “já substancialmente implantada parte considerável da base florestal de cada uma das empresas rés, não há como voltar atrás no tempo e fazer (…) estudo prévio à sua implantação. Há, contudo, (..) como minorar as conseqüências de (…) tal implantação, mediante a cessação imediata (..) dos plantios (…).”.

Extraído do site O ECO – Clique aqui para acessar a página. 

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